quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Cinema: A vida e a carreira de Federico Fellini

Federico Fellini: o espetáculo da vida e da memória
Por Anthony M. D. Muniz

"O que é um artista? Um provinciano que se encontra em algum lugar entre uma realidade física e uma realidade..." - Federico Fellini.

É possível traçar semelhanças entre as características da natureza do circo e do cinema. Ambos são expressões (ou representações) artísticas da realidade; recriações fictícias da vida. A linha que os separa talvez seja a eterna aspiração do cinema em estar (quase sempre) mais próximo da realidade, enquanto o circo se concentra mais em existir em uma "realidade própria".

Imagem: Federico Fellini dirigindo um filme na Itália.

Essas duas perspectivas da realidade são as bases do cinema de Federico Fellini. Mas, indo contra essa ideia de separação, seu cinema na verdade constrói uma realidade única, que é tão circense quanto cinematográfica. O tamanho de seu nome é incomparável no mundo do cinema. Ele é amplamente reconhecido como um dos diretores mais influentes da história do cinema italiano e mundial. A sua brilhante carreira, que abrangeu várias décadas do século XX, foi caracterizada por uma imaginação extravagante, narrativas únicas e uma explosão profunda da condição humana.

Federico Fellini nasceu em uma família de classe média em Rimini, uma comuna italiana localizada no nordeste da Itália. Seus pais eram Urbano Fellini, um marinheiro viajante, e Ida Barbiani Fellini. Desde cedo, Fellini demonstrou uma imaginação vívida e uma inclinação para a arte. Ele foi profundamente influenciado pelo circo e pelo teatro, inspirações que se tornariam evidentes em suas obras cinematográficas posteriores. Sua infância e juventude provinciana serviria de inspiração para vários de seus futuros filmes, como "Os boas vidas" (1953) e "Amarcord" (1973).

Depois de concluir o Ensino Médio, Fellini, aos seus 19 anos, se matriculou na Universidade de Roma em 1939, onde estudou Direito, mas não chegou a concluir o curso. Foi durante esse período que ele começou a trabalhar como caricaturista e escritor de humor para várias publicações. Seu talento para a sátira visual e sua habilidade em observar e representar o comportamento humano seriam características que ele, mais tarde, incorporaria em suas obras cinematográficas. Não demorou muito para o cineasta começar a escrever roteiros de comédia, e logo entrou para o cinema como assistente de diversos diretores, entre eles Roberto Rossellini, adquirindo um profundo conhecimento acerca da produção audiovisual. Ele evoluiu seus conhecimentos e habilidades até que, em 1945, colaborou para a criação do roteiro do filme "Roma, cidade aberta", de Roberto Rossellini, filme clássico do movimento neorrealista do cinema italiano.

Os primeiros passos de Fellini no mundo do cinema foram como roteirista, quando encontrou seu mentor, Roberto Rossellini, um dos pioneiros do movimento neorrealista italiano. Fellini colaborou com Rossellini em várias produções notáveis, incluindo "Paisà" (1946). Esses filmes foram fundamentais para a formação de Fellini como cineasta, introduzindo-o ao realismo cru que caracterizou muitas produções neorrealistas da época.

A influência de Rossellini foi profunda, mas Fellini começou a trilhar seu próprio caminho no cinema, afastando-se gradualmente do neorrealismo tradicional para explorar um estilo mais pessoal e surrealista. No cinema se tornaria cada vez mais "circense".

Fellini fez sua estreia como diretor no filme "Luzes da Ribalta" (em colaboração com Alberto Lattuada). Este filme explorava o mundo do teatro de variedades e do circo. Embora o filme tenha recebido críticas mistas, ele marcou o início da jornada de Fellini como diretor e salientou seu interesse crescente em personagens marginais e suas histórias. Em 1954, Fellini dirigiu seu primeiro longa-metragem solo, o "O Sheik Branco", cujo roteiro foi uma colaboração com Tullio Pinelli e com o notório diretor Michelangelo Antonioni. Estas duas produções marcariam a virada na carreira de Fellini.

Em 1953 ele lançou "Os boas vidas" (que se tornaria um dos filmes favoritos de diversos grandes diretores, como Stanley Kubrick). Este filme retrata a vida de um grupo de rapazes em um vilarejo e apresenta os acontecimentos mundanos que os cercam. No ano seguinte, lançou "A estrada", um filme que seria fundamental para sua evolução como diretor. Este filme conta a história de Gelsomina (interpretada por sua esposa, Giulietta Masina), uma jovem ingênua que é vendida pelo próprio pai para acompanhar Zampanò (interpretado por Anthony Quinn), um artista de rua bruto e sem escrúpulos. O filme captura a jornada espiritual de Gelsomina e a complexa dinâmica entre os dois personagens principais. "A estrada" foi um sucesso internacional e marcou o início do reconhecimento de Fellini, lhe garantiu duas indicações ao Oscar de Melhor Roteiro Original, além da vitória pela categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Ao longo das décadas de 1950 e 1960, Fellini passou de um estilo mais realista para uma abordagem mais imaginativa e simbólica do cinema. Sua evolução artística foi evidenciada por filmes que são, hoje, considerados clássicos do cinema mundial.

O filme "As noites de Cabíria" (1957) foi o filme que trouxe uma das mais notáveis colaborações de Fellini com sua esposa, a atriz Giulietta Masina. O longa acompanha a história de Cabíria, uma prostituta que enfrenta desilusões e desafios, é comovente e profundamente humana. Este filme recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e estabeleceu a relação duradoura entre Fellini e Masina no cinema. Ao lado de "Julieta dos espíritos" (1965), "As noites de Cabíria" retrata com destaque a devoção de Fellini pelo talento da esposa, uma das mais celebradas atrizes da história do cinema italiano.

Em seguida, ele lançou "A doce vida" que é frequentemente considerado um dos pontos altos de sua carreira. Este filme é uma exploração afiada da decadência da sociedade moderna e da busca incessante por prazeres vazios. "La dolce vita" (título original) introduziu o termo "paparazzi" na cultura popular e solidificou a posição de Fellini como um diretor de renome internacional ao vencer a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o prêmio máximo de um dos maiores festivais de cinema do mundo. Em seguida, ele produziu "8 ½", talvez sua obra definitiva e uma exploração profunda da crise criativa de um diretor de cinema, Guido Anselmi (interpretado por Marcello Mastroianni). O filme, lançado em 1963, é uma mescal de sonho e realidade, com sequências surreais que desafiam as convenções cinematográficas. Este filme ganhou dois Oscars, incluindo de Melhor Filme Estrangeiro e, novamente, consolidou Fellini como um diretor de visão singular.

Imagem: Cena do filme "A doce vida" (1963).

Outro filme notável de sua carreira (já numa fase de maior maturidade em seu trabalho) foi o nostálgico "Amacord" (1973). Esta obra semiautobiográfica é uma celebração nostálgica da infância e adolescência de Fellini na Itália Fascista. O filme é repleto de personagens peculiares e situações cômicas, capturando a complexidade da experiência humana de maneira comovente. O filme marca, também, sua admiração pelo aspecto "circense" e exagerado das cenas, sempre representando o mundo do filme com ares mais "cartunescos" e caricaturais.

Federico Fellini não apenas conquistou prêmios e a admiração de críticos, como também deixou um legado cinematográfico inegável que continua a influenciar cineastas de todo o mundo. Seu estilo visual e narrativo distintivo, que combinava realismo e fantasia, é uma fonte de inspiração para diretores contemporâneos como Terry Gilliam, David Lynch, Pedro Almodóvar e Martin Scorcese.

Fellini também desempenhou um papel importante na divulgação do cinema italiano ao redor do mundo. Ao lado de outras produções notáveis do cinema italiano no século XX, suas obras foram amplamente distribuídas internacionalmente e ajudaram a consolidar a reputação da Itália como um centro de excelência cinematográfica. Seu cinema foi carregado de memória e é uma celebração do tempo, das pessoas e dos momentos que tornaram o Fellini o cineasta e ser humano que seria tão fortemente lembrado e admirado.

Ao longo de sua carreira, Fellini deixou um impacto indelével na indústria cinematográfica. Sua habilidade de combinar a observação da vida cotidiana com elementos surrealistas e a exploração das complexidades humanas resultou em filmes que transcenderam o tempo e a cultura. Fellini permanece uma figura lendária do cinema, uma inspiração para cineastas emergentes e um ícone que continuará a fascinar as audiências por muitas gerações vindouras. Sua jornada artística é uma lição de criatividade, imaginação e a eterna busca por compreender a condição humana através da magia do cinema. Federico Fellini não é apenas um diretor, mas um artista visionário cujo trabalho permanecerá gravado no coração do cinema para sempre.