Pedro Almodóvar: melodrama para todos os gêneros
Por Anthony M. D. Muniz
"Também quis expressar a força do cinema para esconder a realidade, sem deixar de ser divertido. O cinema pode preencher os espaços vazios e da sua solidão." - Pedro Almodóvar.
Existem poucos diretores que são fáceis de se reconhecer pelo seu trabalho e Pedro Almodóvar é um deles. Seja pelas cores extravagantes dos figurinos e cenários (realçadas, também, pela direção de fotografia) ou pelos personagens exagerados, carregados de histórias trágicas, cômicas e melodramáticas, seus filmes carregam uma densidade pitoresca e são recheados de diálogos e situações irreverentes e comoventes. Estas características são compartilhadas pelo próprio diretor que, assim como suas produções, também consegue se distinguir com facilidade na multidão. Os elementos que caracterizam sua filmografia e personalidade surgiram durante as suas primeiras décadas de vida.
O espanhol Pedro Almodóvar Caballero que, no futuro, seria chamado apenas de Pedro Almodóvar, nasceu em 25 de setembro de 1949 na cidade de Calzada de Calatrava (Província de Cidade Real, localizada na comunidade autônoma de Castela-Mancha), onde viveu com seus pais e irmãos (duas irmãs e um irmão, esse com quem trabalharia no futuro) até os 16 anos. Nessa pequena cidade da Espanha, ele experienciou situações e conviveu com muitas das pessoas com quem se inspiraria nos seus anos como diretor e roteirista e que deram vida tanto às suas histórias quanto aos seus icônicos personagens.
Por ter vivido em uma casa de formação tradicional e conservadora, sua família o enviou para um internato religioso em Cáceres durante sua juventude, onde tornou-se seminarista. Com o passar do tempo, ele acabou se afastando do catolicismo, repudiando o que, na sua visão, ele via como atitudes hipócritas em relação aos próprios dogmas religiosos. Foi nesse período, convivendo com as restrições impostas pelo convívio religioso, que ele teve seus primeiros contatos com o cinema, assistindo compulsivamente filme após filme e alimentando, assim, mais e mais sua vontade de se tornar um artista e de trabalhar especialmente com filmes. Foi por esse motivo que, mesmo tendo uma boa convivência com sua família (principalmente com sua mãe) ele logo percebeu que, para alcançar suas ambições pessoais e artísticas, seria preciso deixar sua cidade natal e mudar-se para a capital. Com essas ambições em mente, Pedro Almodóvar, aos 16 anos, assim que finalizou o Ensino Médio, encaminhou-se para Madri.
Seus primeiros anos em Madri foram marcados pela precariedade e, por causa disso, não pode estudar formalmente "cinema". Isso aconteceria de qualquer maneira, pois a Escola Nacional de Cinema fora fechada em 1970 pela ditadura de Franco). Com isso, foi à procura de meios que lhe permitissem sobreviver (e viver) na populosa e movimentada cidade. Entre as muitas profissões com que trabalhou podemos citar a de telemarketing, o que, inclusive, lhe permitiu contato com muitas histórias únicas e inusitadas dos clientes. Isto o auxiliou a compor suas imprevisíveis histórias que fazem parte de seu repertório criativo.
Vendo que o conhecimento teórico estava inacessível naquele momento, resolveu aprender "na prática". Seus contatos seguintes com a produção artística encontraram novo sentido com o fim do Regime Franquista, em 1977, após a morte do ditador Francisco Franco.
Contaminado pela efervescência da época, Almodóvar arriscou-se em muitas atividades. Começou a escrever artigos, entrou em uma banda punk como vocalista e começou a filmar seus primeiros curtas-metragens com sua Super 8, tornando-se uma das figuras-chave da "Movida Madrileña" (movimento de libertação cultural, ideológica e artística dos anos pós-ditadura). Estes anos de atividade junto ao intenso contato com a ebulição sociocultural definiram as características singulares de seus filmes, principalmente, em suas primeiras produções.
Seu cinema seria, então, influenciado pela intensidade desses anos, seja através dos figurinos e da direção de arte, seja pela complexidade de seus personagens que passariam por situações inesperadas e de intensas emoções.
Mas antes que se vislumbrasse um eventual sinal de sucesso, Pedro Almodóvar produziu seu primeiro longa-metragem enquanto trabalhava como atendente num Call Center. Lançado em 1978 "Folle... folle... fólleme Tim!" foi seu modesto filme de estreia que, após um breve período de exibição em alguns poucos cinemas, desapareceu dos olhos do público sendo, até hoje, encontrado com certa raridade.
Foi apenas com seu filme seguinte: "Pepi, Luci, Bom e outras mulheres de montão", lançado em 1980, que o diretor pode vislumbrar certo sucesso que lhe permitiu um importante pontapé inicial. Com esse filme, juntamente com outros lançados nessa mesma década, ele recriaria à sua maneira, o momento de mudança (e de indefinição) pelo qual o país estava passando, principalmente quando se tratava da capital, Madri. A intensidade visual e dramática de seus personagens retrataria essa estranha sensação de constante ebulição e a necessidade imaterial de uma metamorfose no cotidiano espanhol.
Essa impulsividade seria perfeitamente retratada em suas produções lançadas durante os anos 1980, que seriam definidoras do estilo do diretor e alcançariam o sucesso, com destaque especial para o filme que o tornaria internacionalmente conhecido: "Mulheres à beira de um ataque de nervos", de 1988.
O filme conta a história de uma atriz de televisão (interpretada por Carmen Moura) que vê sua vida invadida por vários personagens excêntricos após embarcar em uma jornada para descobrir o motivo da partida de seu amante. Sendo uma perfeita combinação dos elementos mais destacáveis do traço autoral de Almodóvar, aqui encontra-se uma união fulminante de cores vibrantes, melodrama e comédia que compõem a trajetória da protagonista que se vê levada aos extremos de sua sanidade à medida que a história a coloca em situações extremas. Além de ter sido um sucesso de bilheteria, dentro e fora da Espanha, o filme figurou entre diversas premiações e festivais, garantindo ao diretor sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Com o sucesso deste filme, Almodóvar ganhou o gosto do espectador, e passou a contar com o anseio do público a cada novo lançamento, o que garantiu a estreia de outros filmes em grandes mostras cinematográficas como o Festival de Cannes de Cinema.
Durante os anos 1990, lançou "Tudo sobre minha mãe", filme que venceu o oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2000. Nesse, ele retomou um dos temas centrais de seu cinema (a maternidade) ao acompanhar a jornada desnorteante de uma mãe após a perda de seu filho. Com um elenco formado por grandes atrizes como Cecilia Roth, Marisa Paredes e Penélope Cruz, o longa colocou o nome de Almodóvar definitivamente entre os melhores diretores internacionais da sua geração.
Este filme carrega a importância de marcar um período de mudança na abordagem das histórias pelo diretor, ao retratar personagens que vivenciam situações dramáticas ao terem de lidar com as consequências de acontecimentos do passado, causadas ou não pelas escolhas deles e pelas experiências (muitas vezes trágicas) que eles vivenciaram. Essa abordagem faz total sentido com a situação em que a sociedade espanhola estava vivenciando ao ter de lidar com as amargas memórias da ditadura no país.
A partir de então, iniciou o momento mais virtuoso da sua carreira com filmes como: "Fale com ela" (lançado em 2002, que rendeu o Oscar de Roteiro Original, além de ter garantido uma indicação como Melhor Diretor); "A má educação" (lançado em 2004 e que é considerado por alguns críticos como o mais inventivo e complexo em sua estrutura narrativa e no uso da metalinguagem); "Volver" (lançado em 2006 e que garantiu a primeira indicação de Penélope Cruz ao Oscar por sua elogiada atuação) entre outros lançamentos.
Durante a década de 2010, o diretor precisou lidar com algumas recepções mais "mistas" da crítica e do público quanto aos seus filmes, superando esse momento apenas com o lançamento de "Dor e glória" em 2019. Com um emocionante e dramático uso da metalinguagem cinematográfica junto a recortes de momentos baseados em suas experiências pessoais, ele apresenta a vida de um diretor de cinema com dores crônicas que se vê em busca de uma nova história durante um fortíssimo bloqueio criativo. Com uma forte interpretação de Antonio Banderas (que lhe garantiu o prêmio no Festival de Cannes e uma indicação ao Oscar de Melhor Ator) o filme conquistou a crítica e o público e lhe permitiu um novo momento em sua filmografia.
Após essa produção, ele trabalhou em um curta-metragem em inglês (seu primeiro projeto produzido em uma língua que não a espanhola): "A voz humana", estrelado pela atriz britânica Tilda Swinton e, após isso, em um longa-metragem estrelado por Penélope Cruz chamado "Mães paralelas" que, seguindo a abordagem melancólica e nostálgica do passado espanhol, mencionada anteriormente, retrata diretamente, através de um dos arcos da história do filme, o peso e as cicatrizes deixadas pela violenta ditadura espanhola na sociedade atual do país.
Ainda vivenciando esse momento de relevância em sua carreira, o diretor lançou, em 2023, outro curta-metragem em inglês chamado "Estranha forma de vida". Dessa vez estrelado pelos atores Ethan Hawke e Pedro Pascal. Com isso, fica claro que o ritmo produtivo de Almodóvar continua irrefreável. Bom, naturalmente para ele é uma novela sem fim.
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