Fritz Lang - Para além das fronteiras do tempo
Por Anthony M. D. Muniz
"Devo dizer que eu era uma pessoa visual. Eu experimento com meus olhos e nunca,
ou raramente, com meus ouvidos... para meu constante pesar." - Fritz Lang.
Fritz Lang (1890-1976) é uma daquelas figuras icônicas do cinema - ou mesmo da arte, num sentido geral - que se mostra imprescindível para a ideia do que se entende por cinema nos dias de hoje.
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Fritz Lang - 1969 (Wikipédia). |
Formou-se em arquitetura pela Universidade de Viena e, por alguns anos na década de 1920, exerceu o ofício de pintor. Após casar-se com a atriz, cineasta, roteirista e escritora alemã Thea von Harbou, em 1922, Lang tornou-se um cidadão alemão. Ainda assim, sua estreia como diretor já havia ocorrido um ano antes com o filme "A Morte Cansada", já tendo sua futura esposa como fiel roteirista de seus filmes, durante sua primeira fase na Alemanha. Nos anos seguintes produziu obras como "Dr. Mabuse, o Jogador" (1922), "Os Nibelugnos - A Morte de Siegfried" (1924) e "A Vingança de Kriemhilde" (1924) que, junto a outros grandes diretores como F. W. Murnau (1888-1931) e Robert Wiene (1873-1938), compôs parte do que foi o Expressionismo Alemão, movimento artístico inserido na pintura, escultura, literatura e, também, no cinema, sendo uma das mais importantes vanguardas europeias entre o final do século XIX e início do século XX. Ainda assim, o envolvimento com esse movimento aconteceu a partir de uma certa distância como uma reação natural ao que era produzido naqueles anos. Essa era, pelo menos, a impressão do próprio diretor, ao ser perguntado em uma entrevista para a revista francesa Cahiers du Cinéma, o quanto havia sido influenciado, ou em que medida ele havia reagido contra a corrente expressionista, ele disse: "Fui muito influenciado. Não se pode atravessar uma época sem receber alguma coisa dela".
No entanto, mesmo sendo durante esses primeiros anos um cineasta de sucesso - tanto dentro quanto fora da Alemanha - foi com o seu filme seguinte que o mito em torno de sua obra começou a se erguer. Em 1927 ele lançou seu mais icônico filme: "Metrópolis". A partir do roteiro escrito por sua esposa, baseado no livro de mesmo nome, também escrito por ela, o filme narra uma aventura épica em uma cidade futurista (no ano de 2026) na qual a sociedade é dividida em duas classes: a elite (chamada de "planejadores") que vive uma vida de muito lazer e habita na área superior da cidade, com paisagens belas e movimentadas, embaladas por tecnologias que tornam o convívio ágil e moderno, além de possuir uma arquitetura longilínea, de linhas retas e limpas; e uma classe "trabalhadora", enclausurada na área inferior, trabalhando por dez horas diariamente e sendo completamente impossibilitada de acessar o conforto disponível aos que vivem na parte superior da cidade. Essa divisão fortemente estabelecida começa a ser abalada quando o filho de um dos maiores planejadores se apaixona por Maria, uma trabalhadora da área inferior. Então, uma sucessão de acontecimentos instaura uma revolução lenta e implacável.
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Fonte: Imagem do Youtube. |
Esse foi o projeto que melhor sacramentou seu nome na história do cinema, pois acabou se tornando uma das mais influentes obras de ficção científica, apresentando um mundo "palpável" muito próximo das estruturas sociais da época e que apresentava um vislumbre muito mais distópico do futuro da humanidade se comparado a outras criações produzidas na época. A estrutura narrativa e a construção dos personagens, assim como a arquitetura da cidade e dos edifícios juntamente com o design da robô apresentada na produção, influenciaram diretamente produções como "Star Wars", "Blade Runner", "De Volta para o Futuro" e "Batman" (1989), entre muitas outras obras de diferentes mídias. Nas palavras do crítico de cinema Roger Ebert, o filme "é o ponto culminante do expressionismo alemão, a combinação de estilizados cenários, dramáticos ângulos de câmeras, sombras audaciosas e performances propositadamente teatrais".
Essa influência foi ampliada, também, com o auxílio do livro publicado anteriormente ao filme, escrito pela própria roteirista Thea von Harbou. Nele é possível ter uma visão mais detalhada da história e uma ampliação na simbologia da obra, utilizando de referências "esotéricas" e religiosas, coisa que é negligenciada pelo filme, focando muito mais na "ciência" da narrativa e em suas implicações naquela sociedade. É notável, também, o apagamento da memória da escritora, que foi crucial para a criação da produção; acredita-se que houve tal apagamento devido a sua identidade de gênero e por seu posicionamento fascista e sua atuação como membro do Partido Nazista - ela faleceu em 1954 ainda cumprindo pena pelos seus crimes.
É interessante observar, também, a maneira como alguns símbolos foram posteriormente apropriados pelo Partido Nazista na figura profetizada pela personagem Maria, que seria uma espécie de "salvadora" das classes mais baixas (na época terrivelmente afetadas pelo fim da Primeira Guerra Mundial) que combateria "as populações mais ricas e intelectualizadas" com o intuito de trazer igualdade e prosperidade para a população; um tipo de esvaziamento de sentido comumente feito pelos fascistas.
O filme inicialmente tinha uma duração de quase duas horas e meia, mas, devido à baixa bilheteria, a distribuidora decidiu reduzir a duração do filme retirando diversas cenas até que a produção tivesse menos de duas horas. Isso fez com que, por muitos anos, o filme apresentasse uma versão retalhada e inconclusiva da história, pois essas cenas cortadas acabaram sendo perdidas nos anos seguintes. Apenas em 2008 que foi encontrada uma versão mais longa (faltando apenas duas cenas) e próxima da versão original em um museu na Argentina, o que permitiu o acesso mais completo à obra pelo grande público de hoje em dia. É possível encontrar essa versão em alta resolução no Youtube, por exemplo.
O sucesso de "Metrópolis" seria seguido por outras duas produções: "Os Espiões" e "A Mulher na Lua", que carregavam um detalhe em comum com todos os outros filmes feitos anteriormente pelo diretor: todos eram "filmes mudos".
Mas tudo isso mudou com "M - O Vampiro de Düsseldorf". A partir desse filme, o diretor passou a utilizar o som como importante ferramenta para contar suas histórias e, fugindo do padrão hollywoodiano da época (que consistia em usar longas sequências de música para ostentar a nova funcionalidade), ele o usou de maneira extremamente seletiva, escolhendo momentos específicos em que o som tomava o devido protagonismo e conduzia a narrativa. A trama acompanha uma cidade alemã que começa a ser assombrada por um assassino de crianças, que as rapta em plena luz do dia. O status social dessa cidade é abalado, pois a polícia encontra dificuldades para identificar o culpado. Com isso, os grupos criminosos das redondezas decidem encontrar o assassino e "definir sua sentença".
Com um aspecto sombrio e uma edição ágil, o diretor apresenta as sequências de suspense de maneira comedida e pouco expositiva, focando numa tensão crescente (desde o assobio que o criminoso faz antes de cometer seus crimes ao desespero daqueles que tiveram seus filhos sequestrados) e em cenas de investigação em que o público compartilha o raciocínio dos investigadores. As sequências de investigação no filme foram essenciais para uma série de técnicas, padrões e clichês que muitos filmes do gênero policial acabaram se apropriando, das produções mais antigas como "O Falcão Maltês", de 1941, às mais contemporâneas como "Seven - Os Sete Pecados Capitais", de 1995.
Para além do valor histórico e iconográfico, o filme "M - O Vampiro de Düsseldorf" reflete sobre a turbulência social pela qual a Alemanha passava durante aquele início de década (em que o Partido Nazista começava a ganhar protagonismo) e, no terceiro ato do filme, levantava um interessante debate a respeito da morte do criminoso (sendo esse o desejo da população e dos criminosos daquele local). Seria a morte do criminoso justa? Realmente traria algum benefício para a sociedade? - debate que é inteligentemente passado ao público com o final em "aberto" deixado pelo filme.
Seu filme seguinte marca um momento crucial em sua vida. Em 1933 ele lançou "O Testamento de Dr. Mabuse", continuação do filme mudo de 1922, "Dr. Mabuse, o Jogador", em que o vilão (e personagem-título do filme) utiliza-se de discursos parcialmente inspirados nos lemas nazistas propagados na época. Esse detalhe marcou o momento em que o diretor deixou claro sua discordância com o Partido Nazista que, nesse mesmo ano, tomou o controle do parlamento e no qual Adolf Hitler foi nomeado chanceler. Nesse ano, Fritz Lang (que tinha uma ascendência judia por parte da família da sua mãe) abandona a Alemanha com destino aos Estados Unidos da América. Nessa partida, ele se divorcia de sua mulher, que era membra do Partido Nazista e havia decidido continuar no país.
Ao chegar nos Estados Unidos, ele precisou reestabelecer sua carreira, iniciando assim uma série de produções americanas dedicando-se, principalmente, a filmes do gênero policial. A sua contribuição para esses tipos de filme, mesmo não sendo tão celebrada quanto suas obras feitas na Alemanha, foi essencial para a construção do que seria chamado de Cinema Noir, que caracterizava-se por histórias sombrias, realistas e até mesmo pessimistas, que eram compostas por personagens moralmente ambíguos (geralmente interpretados por atores não tão consagrados) e com cenários urbanos nada luxuosos, com uma atmosfera muito bem delimitada pelo uso das sombras, permeada de dramas niilistas, cheios de desconfiança e paranoias.
Após quase duas décadas trabalhando com sucesso nos EUA, ele retornou a Alemanha para a realização de suas últimas obras. Foram produzidos em 1959 os filmes: "O Tigre da Índia (O Tigre de Bengala)" e o "O Sepulcro Indiano", sendo este segundo uma continuação do primeiro e, para finalizar, "Os Mil Olhos de Dr. Mabuse", terceiro e último filme sobre o personagem-título.
Não encontrando o mesmo sucesso nesses filmes se comparado ao período em que, na Alemanha pré-guerra, decidiu voltar aos EUA e se aposentar. Faleceu, já quase cego devido à idade, em Beverly Hills, na Califórnia, em 2 de agosto de 1976.
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