Agnès Varda e as paisagens da vida
Por Anthony M. D. Muniz
"Não estou interessada em ver um filme perfeito apenas por uma mulher - a menos que ela esteja procurando novas imagens (Agnés Varda).
Agnès Varda, uma das figuras mais proeminentes do cinema francês, deixou uma marca única na história do cinema como diretora, roteirista e documentarista. Ela é reconhecida por sua abordagem única, inovação estilística e paixão por contar histórias de uma forma autêntica e provocativa.
Nascida em 30 de maio de 1928, em Bruxelas, Bélgica, Varda era filha de uma francesa chamada Christiane e de um grego de nome Eugène. Apesar de ter se tornado mundialmente famosa pelo seu nome artístico, chamava-se Arlette Varda por batismo - isso pois, segundo ela mesma, foi concebida na cidade de Arles. Abandonou esse nome ainda jovem e, aos 18 anos já era Agnès.
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Agnès Varda dirigindo seu primeiro filme em 1955 (La Point Courte). |
Seu primeiro longa de ficção, "La Pointe Courte", foi lançado em 1955. Em seu trabalho de estreia ela narra a história de um casal que visitava a terra natal do marido enquanto passam por uma crise no relacionamento. Por meio do uso de uma fotografia envolvente e quase onírica, somos conduzidos pelas reflexões internas dos personagens. Já em seu primeiro projeto ficcional, ela mostrava muita habilidade, criatividade e profundidade como diretora e roteirista. O filme apresentou uma narrativa não linear e uma abordagem estilística ousada, tornando-se um marco em sua carreira e no cinema francês.
"La Pointe Courte" é frequentemente considerado um precursor da Nouvelle Vague, o movimento cinematográfico francês que se iniciou no fim da década de 1950 que buscava uma renovação do cinema francês (considerado pelos críticos da época, distante da realidade francesa do pós-guerra), apesar de tal posto ser comumente considerado de Jean-Luc Goddard e François Truffaut, que dirigiram "Acossado" (1960) e "Os incompreendidos" (1959), respectivamente. Ainda assim, ela foi um dos nomes mais importantes do movimento, destacando-se por não ter sido crítica de filmes antes de se tornar diretora, diferente da maioria dos outros diretores integrantes da Nouvelle Vague.
Outro filme importantíssimo de sua filmografia e que integrou esse movimento cinematográfico foi "Cleo das 5 às 7" (1962), considerada por muitos como sua obra-prima, que ainda é um dos filmes mais conhecidos de Varda e destaca sua sensibilidade para questões femininas. Nesse filme acompanhamos duas angustiantes horas vividas por uma cantora pop que aguarda o resultado de uma biópsia. Sabendo que o resultado do exame pode mudar totalmente a trajetória de sua vida, a protagonista passa por extensos e profundos momentos de reflexão sobre sua vida e sua imagem (que é constantemente objetificada), além de que tem de encarar seu medo (assim como também do espectador) da morte. As qualidades do filme e a diversidade de temas abordados durante sua projeção tornaram-no uma das obras mais importantes e celebradas do cinema.
Para além de sua reconhecida obra ficcional, em sua filmografia destaca-se seu extenso trabalho como documentarista. A obra de Varda frequentemente explorou a vida cotidiana e as experiências de pessoas comuns. Seu documentário "Du côte de la côte" (1958) examinou as atividades de veraneio na costa francesa, estabelecendo sua reputação como uma observadora aguçada da sociedade. Ao longo de sua carreira, Agnès Varda não apenas explorou temas pessoais, mas também abraçou questões sociais e políticas em seus documentários. Ela abordou diversas temáticas, ambientes e momentos histórico-sociais. Desde o movimento dos "panteras negras", na década de 1960 nos EUA, ao movimento feminista francês no decorrer do século XX. Passou pelos bailes de Cuba e pelas ruas francesas abordando pessoas comuns.
Em "Les Glaneurs et la glaneuse" (2000), por exemplo, ela examina a sociedade de consumo e a vida de pessoas marginalizadas que buscam sobreviver através da recuperação de alimentos e objetos descartados. E foi assim, a partir de seu olhar gentil e atento, que ela retratou o mundo com tantos detalhes e com tanta vivacidade. Ela encontrava no ordinário tudo que havia de mais extraordinário. Com suas próprias palavras, em seu documentário "As praias de Agnès" (2009), ela diz que "se abríssemos as pessoas, encontraríamos paisagens".
O cinema representou outro importante detalhe de sua vida. Foi por meio dele que conheceu, em 1958, outro notório diretor francês que era apaixonado por musicais, o diretor Jacques Demy. Ele foi responsável por obras como "Os guarda-chuvas do amor" (196) e "Duas garotas românticas" (1967). Três anos após se conhecerem, casaram-se e viveram juntos até a morte do diretor em 1990. A paixão e admiração de Varda por Demy fez com que ela fizesse dois filmes dedicados à sua memória: o longa de ficção "Jacques de Nantes" (1991) e o documentário "O Universo de Jacques Demy" (1955).
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Agnès Varda durante a filmagem de "Varda por Agnès" (2019). |
Nos últimos anos de sua carreira, Varda dedicou-se especialmente a seu trabalho como documentarista e passou a rememorar sua própria trajetória e memória. Mas, ao invés de se auto-reverenciar, a diretora buscou trazer novos olhares pelos lugares e pelas pessoas que conheceu. Dessa maneira, continuou a criar obras notáveis como "Visages, Villages" (2017), codirigido com o fotógrafo JR, em que os dois artistas se empenharam em recriar fotografias tiradas no decorrer dos anos pela diretora e em recuperar a história do momento em que elas foram fotografadas. O documentário foi indicado ao Oscar e ganhou o prêmio Olho de Ouro no Festival de Cannes. Entre outros documentários, ela dirigiu também "Varda por Agnès" (2019), uma autobiografia codirigida por Didier Rouget, em que ela narra a sua vida e carreira para uma plateia num teatro, criando uma inspirada e comovente viagem metalinguística. Essa produção foi lançada, coincidentemente, no ano de sua morte.
Agnès Varda recebeu inúmeros prêmios ao longo de sua carreira, incluindo a Palma de Ouro honorária no Festival de Cannes, em 2015, e um Oscar honorário, em 2018. Ela faleceu em 29 de março de 2019, aos 90 anos.
Agnès Varda deixou um legado duradouro como uma das cineastas mais inovadoras e visionárias do cinema francês. Sua abordagem única, bem como seu compromisso com a autenticidade e exploração de uma variedade de temas (desde a feminilidade e questões sociais até o rotineiro e mundano da vida) continuam a inspirar cineastas e espectadores em todo o mundo. Sua contribuição foi extremamente significativa para a sétima arte e estabeleceu-a como uma verdadeira pioneira, além de uma voz única na história do cinema.
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