Ingmar Bergman: entre a memória e a arte
Por Anthony M. D. Muniz
"Filme como sonho, filme como música. Nenhuma arte passa pela nossa consciência como o filme, e vai diretamente aos nossos sentimentos, às profundezas das salas escuras de nossas almas". Ingmar Bergman
O que faz um diretor de cinema ser considerado um gênio e mestre de sua arte? Bom, Ingmar Bergman pode ser um dos melhores exemplos para se encontrar uma resposta a essa pergunta.
Ingmar Bergman é uma figura icônica no mundo do cinema, reconhecido por suas contribuições significativas para a arte cinematográfica. Em 1918, ao norte de Estocolmo, na cidade de Uppsala, na Suécia, nasceu e cresceu um ainda jovem Ernst Ingmar Bergman, o segundo de três filhos que integravam uma família abastada.
Filho de Erik Bergman, um pastor luterano, e de Karin Åkerblom, uma burguesa, ele viveu seus primeiros anos de vida rodeado de muito conforto financeiro, conforto esse que não correspondia com outros aspectos de sua vida como, por exemplo, os longos períodos de enfermidade que ficaram marcados em sua infância. Outro aspecto importante também foi o fato de que sua infância foi marcada por momentos de severidade religiosa, em que episódios de castigo, que iam desde bofetadas e chicotadas à maus-tratos de natureza mais psicológica. Esses momentos de repressão marcaram profundamente a personalidade de Bergman e fizeram-se muito presentes em toda a obra do artista. Ainda criança, criou um pequeno teatro de fantoches, confeccionados por ele mesmo, onde iniciou seus primeiros passos de criatividade artística.
Esse interesse constante pela arte fez com que escolhesse estudar Letras e História da Arte na Universidade de Estocolmo e, assim, iniciou sua produção como diretor de teatro universitário, função que desempenhou até 1942. Após essa breve experiência, começou a trabalhar como auxiliar na produção de peças teatrais no Grande Teatro Dramático de Estocolmo. Mas foi uma montagem sua, ainda nos seus anos no teatro universitário, que ajudou a colocar seu nome em destaque. Ainda em 1942, a sua montagem de "A morte de Gaspar" foi assistida pela produtora Svensk Filmindustri, que acabou contratando-o no ano seguinte para trabalhar em seu departamento de roteiros.
No mesmo ano em que iniciou sua carreira como diretor de cinema, Bergman já havia iniciado seus trabalhos como diretor artístico no Teatro Municipal de Helsingborg, onde trabalhou de 1944 a 1952. Em 1944, enquanto trabalhava nesse teatro, lançou seu primeiro longa-metragem chamado "Tortura". Apesar de se seguir uma filmografia muito prolífica, chegando a lançar em alguns anos mais de um filme por ano, foi somente em seu lançamento de 1955, intitulado "Sorrisos duma noite de verão" que ele começou a vislumbrar o sucesso e o reconhecimento em nível internacional, sendo muito bem recebido pelo público e pela crítica em sua exibição no Festival de Cannes daquele ano. Ainda assim, tendo recebido muitos louros pela produção deste filme, foi somente no trabalho seguinte que seu nome se elevou ao dos grandes artistas da sétima arte.
Em 1957, Bergman apresentou uma de suas produções mais conhecidas e aclamadas: "O sétimo selo". O filme conta a história de um cavaleiro que retorna das Cruzadas após dez anos e se depara com uma Europa devastada pela peste negra. Em meio a uma série de acontecimentos, ele é confrontado pela figura da morte e, em uma tentativa de escapar do destino final, a desafia para uma partida de xadrez com sua vida (ou morte) como recompensa pela vitória. As reflexões trazidas ao público fizeram desse filme um marco na história do cinema, pavimentando a percepção de que o cinema não só poderia abordar profundamente temas existenciais e filosóficos, como também deveria ser considerado uma forma de arte tão complexa quanto as outras.
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Cena do filme “O Sétimo Selo” (1960). Fonte: https://diariodorio.com/mostra-centenario-ingmar-bergman-chega-ao-rio-de-janeiro-com-filmes-ineditos/ |
Esse sucesso sacralizou seu nome entre os grandes diretores de cinema de todos os tempos e marcou uma série de produções magistrais que solidificaram ainda mais sua filmografia. Em seu filme seguinte, "Morangos silvestres" (1957), ele apresentou uma reflexão nostálgica sobre a vida e como o peso que as escolhas feitas podem marcar, ou mesmo condenar, os anos derradeiros de uma pessoa.
Já em "Persona" (1966), o diretor mergulhou em uma experiência surrealista e psicológica no mundo da identidade e da dualidade. Nesse filme ele aborda como duas personagens, uma atriz renomada em crise de personalidade e sua enfermeira, se veem encurraladas ao perceberem que estão se tornando uma única persona. Um fato interessante sobre essa produção é que a inspiração para o diretor veio ao perceber que as atrizes Bibi Andersson e Liv Ullmann (ambas protagonistas desse filme e que já haviam trabalhado com ele) eram estranhamente parecidas e que isso poderia render uma história.
Além de seu trabalho como diretor, Bergman também foi um prolífico escritor e produtor, colaborando com alguns dos maiores talentos do cinema sueco e internacional. Sua influência se estendeu muito além das fronteiras da Suécia, inspirando cineastas em todo o mundo e deixando um legado duradouro na indústria cinematográfica.
Outra produção marcante de sua filmografia foi sua obra com maiores elementos autobiográficos: "Fanny e Alexander". Lançado inicialmente como filme em 1982 e, posteriormente, como minissérie para televisão em 1983, o longa-metragem conta a história de uma família que precisa lidar com a perda de um membro importante, o pai, e o turbilhão de emoções que se seguem a partir disso, especialmente para Alexander ("representação" fictícia de Bergman na infância) que, após a morte do pai, passa a ver fantasmas e precisa lidar com a real (e terrível) figura de seu novo padrasto. Baseado em fragmentos de sua vida, Bergman trouxe aqui uma das mais marcantes obras sobre infância, fantasia e memória da história do cinema. O filme marcou a crítica e o público ao apresentar uma história envolvente e ornamentada de uma qualidade de produção exuberante, chegando a vencer 4 Oscars, incluindo de Melhor Filme Estrangeiro.
Ingmar Bergman se tornou uma das maiores referências para a arte cinematográfica e, apesar de ter deixado um grande legado como escritor e dramaturgo, ele mesmo reconheceu a força extraordinária e singular que apenas o cinema é capaz de alcançar.
Apesar de sua morte em 2007, o impacto de Ingmar Bergman no cinema continua a ser sentido até os dias de hoje. Sua habilidade em capturar a essência da condição humana, aliada à sua maestria técnica, garantiu-lhe um lugar eterno entre os grandes mestres do cinema. Ele foi uma daquelas figuras capazes de inspirar outros gênios de sua arte, e continua inspirando