Quentin Tarantino: sangue, violência e pipoca
Por Anthony M. D. Muniz
"Não acredito em elitismo. Não acho que o público seja uma pessoa burra, inferior a mim.
Eu sou público." - Quentin Tarantino.
Quando se pensa em diretores de cinema que deixaram uma marca irreparável na sétima arte, o nome de Quentin Tarantino rapidamente vem à mente. Com sua abordagem ousada e estilo inconfundível, Tarantino transformou o cinema dos anos 1990 (e dos anos que se seguiram) conquistando o mundo do cinema com uma carreira que abrange décadas e uma série de filmes icônicos, que passeiam de revisitações autoriais da história, tramas imprevisíveis e muitas referências metalinguísticas.
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Quentin Tarantino durante as filmagens de "Os oito odiados". Fonte: Gamerant.com. |
Nascido em 27 de março de 1963, em Knoxville, no Tennessee, Quentin Jerome Tarantino teve uma juventude marcada pelo amor ao cinema desde muito cedo. Suas primeiras influências, no que se tornaria sua paixão no futuro, se iniciaram quando, aos dois anos de idade, ele se mudou com seus pais para a "Meca do Cinema", em Los Angeles. Logo, na sua juventude já se tornaria um inveterado cinéfilo. Seu pai, Tony Tarantino, era estudante de Direito e aspirante a ator, enquanto sua mãe, Connie Zastoupil, trabalhava como professora primária.
Após concluir o Ensino Médio, ele iniciou os estudos de técnicas interpretativas na James Best Theatre Company e, logo em seguida, produziu seu primeiro roteiro chamado "Captain Peachfuzz and the Anchovy Bandit", tendo escrito logo após completar 22 anos. Foi nessa época, em 1984, que começou a trabalhar como balconista em uma locadora de vídeos em Manhattan Beach, Califórnia, junto com o seu colega Roger Avary (com quem, no futuro, escreveria o roteiro de "Pulp fiction" e, então, dividiria seu primeiro Oscar de Melhor Roteiro Original). Foi nesse momento que ele teve a oportunidade de devorar uma ampla variedade de filmes, desde os clássicos até os mais obscuros, com certa facilidade. Essa experiência contribuiu significativamente para sua educação cinematográfica e para a elaboração de seu próprio estilo.
As influências de Tarantino são visíveis em seus filmes que, muitas vezes, incorporam elementos de filmes de gangsters, westerns, filmes de artes marciais e "filmes B", mesmo que em roupagens e gêneros diferentes. Nomes como Sergio Leone, Martin Scorcese, Brian De Palma e Jean-Luc Godard foram fundamentais em sua formação como cineasta. Essas influências ajudaram a moldar sua compreensão da narrativa cinematográfica e permitiram que se tornasse um talentoso autodidata nessa arte.
O início da carreira de Quentin Tarantino foi caracterizado por trabalhos modestos e pela persistência na tentativa de ter uma carreira como ator, prosseguindo seu aprendizado no campo da interpretação na Allen Garfiled's Actor's Shelter. Ao conseguir apenas pequenos papéis, decidiu se dedicar à produção de roteiros. Também escreveu roteiros não produzidos e dirigiu filmes independentes de baixo orçamento, estreando como diretor e roteirista com o curta-metragem "My best friend's birthday", em 1987. Ele conseguiu vender, ainda no início dos anos 1980, os roteiros dos filmes "True romance" e "Natural born killers".
O grande ponto de viragem na carreira de Tarantino ocorreu em 1992, quando seu roteiro para "Cães de aluguel" chamou a atenção do produtor Lawrence Bender (com quem trabalharia em outras produções no futuro) e do ator Harvey Keitel. Com um orçamento modesto, o filme, dirigido por Tarantino, conquistou o Festival de Cinema de Sundance e rapidamente se tornou um clássico cult. "Cães de aluguel" foi elogiado por seus diálogos afiados e irreverentes, personagens de caráter dúbios e um ritmo narrativo muito criativo.
Se "Cães de aluguel" colocou Tarantino no mapa do cinema independente, "Pulp fiction", lançado em 1994, o catapultou para o estrelato internacional. O filme, que possui uma narrativa não linear, ainda mais inovadora que seu filme anterior, conta a intrincada história de diversos personagens que têm suas vidas entrelaçadas por situações de crime, violência e acaso. Permeado de diálogos memoráveis, o longa surpreendeu o público e a crítica e ganhou a Palma de Ouro em Cannes, prêmio máximo do notório festival. Com seu elenco estelar, incluindo John Travolta, Samuel L. Jackson e Uma Thurman, "Pulp fiction" se tornou um fenômeno cultural e um marco do cinema na década de 1990 e do cinema contemporâneo como um todo. O longa-metragem também conquistou 10 indicações ao Oscar levando o prêmio de Melhor Roteiro Original, o primeiro de Tarantino, que ganharia mais um alguns anos depois.
O sucesso de "Pulp fiction" solidificou a reputação de Tarantino como um diretor ousado e inovador e introduziu ao mundo, os diálogos "tarantinescos" em sua melhor forma, que misturavam referências pop, cultura popular e observações filosóficas em conversas cotidianas. Esses diálogos se tornaram uma característica distintiva de suas obras posteriores e referência para os fãs de seus trabalhos.
Após o sucesso de "Pulp fiction", ele produziu o longa-metragem "Jackie Brown", lançado em 1997. Estrelado por Pam Grier (uma das maiores estrelas dos clássicos filmes blacksploitation dos anos 1970) o longa acompanha a história dessa mulher que está no meio de um enorme conflito que lhe renderá dinheiro ou lhe custará a vida. "Jackie Brown" não teve o mesmo sucesso que o filme anterior do diretor, mas ainda hoje carrega uma multidão de fãs.
Em seguida, Tarantino mergulhou em um projeto ambicioso: "Kill Bill" (2003-2004). Este filme, originalmente planejado como um longa-metragem, foi dividido em duas partes dada a extensão que a trama do filme foi ganhando durante a produção. A história de vingança de uma noiva, interpretada por Uma Thurman, apresentou uma mistura única de artes marciais, violência estilizada e homenagens aos filmes de samurai e ao cinema de ação.
"Kill Bill" demonstrou o amadurecimento artístico de Tarantino. A narrativa, embora mantendo elementos de violência gráfica, estava imbuída de uma profundidade emocional surpreendente. A personagem principal, conhecida como "a noiva", evoluiu ao longo da história e sua jornada de autodescoberta foi tão importante quanto as cenas de ação espetaculares. O filme mais uma vez provou o talento de Tarantino para subverter gêneros e criar obras únicas.
Suas produções seguintes marcaram um novo momento cinematográfico da carreira do diretor. Trabalhando agora com narrativas não lineares, o diretor iniciou a produção de histórias fictícias baseadas em acontecimentos reais. Tarantino passou a explorar esses temas históricos em seus filmes, iniciando com "Bastidores inglórios", lançado em 2009. Nessa produção, o cineasta americano reimaginou a Segunda Guerra Mundial com um grupo de soldados judeus caçadores de nazistas. O filme, estrelado por Brad Pitt, Christoph Waltz (que venceu uma série de papeis pela sua memorável atuação, incluindo o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) e outros talentos, foi uma mistura explosiva de história alternativa, humor negro e violência estilizada, alterando drasticamente os rumos reais da história para trazer algo extremamente envolvente e imprevisível.
Em seguida, Tarantino dirigiu "Django livre" (2012), um faroeste ambientado nos Estados Unidos pré-Guerra Civil, que explorou temas de escravidão e vingança, baseado num longa metragem do mesmo nome dirigido por Sergio Corbucci e lançado em 1966. O longa acompanha a história de um escravo libertado (muito bem interpretado por Jamie Foxx) que, com a ajuda de um caçador de recompensas alemão, sai para resgatar sua esposa de um brutal dono de uma plantação de algodão no Mississipi. O filme rendeu a Christoph Waltz seu segundo Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e solidificou a reputação de Tarantino como um diretor que não tem medo de abordar questões sociais sensíveis em suas obras, tratando a brutalidade desse período histórico com menos espetacularização no retrato da violência escravagista e um direcionamento claro no espírito de vingança do protagonista.
Tarantino continuou a surpreender o público e a crítica com seus trabalhos posteriores: "Os oito odiados" (de 2015) foi um retorno ao gênero western, repleto de tensão e reviravoltas, e foi elogiado por suas atuações, em especial, a de Samuel L. Jackson. O filme também destacou a maestria de Tarantino na construção de diálogos tensos e cativantes, adotando aqui um ar mais teatral ao trabalhar quase toda a narrativa em um único ambiente fechado durante uma nevasca. Esse filme também representou um marco técnico em sua filmografia, propondo uma experiência diferente ao gravar o filme com uma câmera de 70mm, que amplia grandiosamente a visão periférica dos acontecimentos em tela. Para utilizar esse equipamento, ele e seu diretor de fotografia, Robert Richardson, tiveram de resgatar as câmeras criadas e usadas durante as décadas de 1950 e 1960, que não viam a luz do dia há algumas décadas. O resultado é extraordinário.
Seu filme mais recente até a produção dessa reportagem foi "Era uma vez em Hollywood", lançado em 2019. O filme é uma carta de amor a Hollywood do final dos anos 1960 (durante a "Nova Hollywood", momento reconhecido nos dias de hoje pela transformação do cinema estadunidense moderno), explorando a vida de um ator em declínio e seu dublê, brilhantemente interpretados por Leonardo DiCaprio e Brad Pitt, respectivamente. O filme mistura ficção com figuras históricas (assim como em "Bastardos inglórios") e culmina em uma reviravolta surpreendente. O filme marca, também, uma nova fase na produção textual do diretor, pois simultaneamente ao lançamento do filme, foi lançada a versão literária do longa-metragem dando início ao projeto antigo do diretor de trabalhar uma carreira como escritor de romances.
Atualmente, ele está trabalhando em seu último projeto (nas palavras dele) como diretor e roteirista para o cinema, numa produção, até o momento, chamada de "The movie critic".
Ao longo de sua carreira, Quentin Tarantino construiu um legado duradouro no mundo do cinema. Seus filmes são reconhecidos por sua estilização visual, trilhas sonoras icônicas e diálogos memoráveis. Além disso, ele é frequentemente elogiado por sua capacidade de criar personagens complexos, cativantes e únicos. Tarantino também influenciou uma geração de cineastas com sua abordagem única e ousada. Seus filmes inspiraram uma série de imitações e homenagens, mas sua marca distintiva permanece inigualável. Ele é conhecido por sua dedicação à narrativa cinematográfica e sua paixão pelo cinema, o que o torna um dos diretores mais respeitados e amados de sua geração.
A vida e a carreira de Quentin Tarantino são um testemunho de sua paixão inabalável pelo cinema e sua capacidade de criar filmes que desafiam as convenções e deixam uma marca duradoura na cultura pop. Com uma trajetória que começou nas locadoras de vídeo e o levou ao topo de Hollywood, Tarantino é um ícone do cinema contemporâneo e seus filmes são uma celebração da narrativa cinematográfica e continuarão a inspirar cineastas e cinéfilos por muitas gerações futuras.